A campanha de Ainda Estou Aqui para o Oscar 2025 já é histórica. Pela primeira vez um filme de produção 100% brasileira conseguiu ser indicado à principal categoria da premiação, a de Melhor Filme. O longa, dirigido por Walter Salles, recebeu ainda duas outras indicações, como Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, pela atuação de Fernanda Torres. Essas últimas quebrando um jejum de 26 anos.
Das quatro categorias mais “possíveis” para Ainda Estou Aqui, o filme conquistou três, ficando de fora apenas na disputa de Melhor Roteiro Adaptado, que era uma possibilidade, segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles.
Além das chances de vitória, integrantes da indústria cinematográfica avaliam os impactos que as indicação podem trazer ao mercado do audiovisual do Brasil.
O diretor e produtor Lino Meireles (Candango – Memorias do Festival) pontuou que o destaque de Ainda Estou Aqui com três indicações ressalta como a cultura brasileira tem potencial para ser um dos maiores produtos de exportação do país.
“Quando o brasileiro viaja para fora e conversa com algum local, as referências são sempre culturais, desde a Bossa Nova até jogador de futebol. É por isso que nunca fez sentido ter uma política que hostiliza a cultura. E isso acontece várias vezes. O americano sabe o valor da cultura, tanto que o nosso país está vibrando todo meramente pela oportunidade de participar de um evento da indústria de cinema americana, para a indústria de cinema americana”, afirma.
Brasil em foco
Na análise do cineasta Iberê Carvalho (O Homem Cordial e O Último Cine Drive-in), para além da vitória na cerimônia do Oscar, Ainda Estou Aqui já conquistou uma exposição gigantesca. “Isso é importante tanto para o filme e seus produtores como para todo o cinema brasileiro. Mas é sempre bom lembrarmos que não devemos medir a qualidade de nosso cinema pela régua do Oscar. O cinema brasileiro produz ótimos filmes todos os anos”, argumenta.
Para o cineasta, um exemplo recente e semelhante a situação de Ainda Estou Aqui é o de Parasita, em 2020, que foi indicado como Melhor Filme e também em Melhor Filme Estrangeiro, vencendo ambas as categorias. “Vamos torcer para que isso ocorra novamente”, defende.
Na visão de Rose May Carneiro, professora e pesquisadora do curso de Cinema/Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), o fato de Ainda Estou Aqui ser uma produção que fala da ditadura militar é muito significativo.
“Isso evidencia a relevância de revisitar e refletir sobre períodos sombrios da nossa história, através da arte, para que nunca mais retornem, além de promover discussões essenciais sobre memória, verdade, justiça e democracia. Além disso, [o longa] destaca a capacidade do nosso cinema de tratar temas universais com profundidade e sensibilidade”, enfatiza.
Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda sobre a importância da trama do filme. Ela defende ainda que histórias do período do golpe militar de 1964 precisam ser contadas e que o audiovisual faz isso de forma afetiva e efetiva.
“É pedagógico e impactante nesse momento em que vemos gerações de jovens e adultos que não tem noção do que foi a ditadura militar. É importante em um momento de negacionismo histórico de grupos conservadores e extremistas, que negam a própria existência ou gravidade da ditadura ou fazem apologia da tortura e de torturadores”, frisa.
Incentivo às produções
Ivana observa também que as indicações do filme foram o resultado de vários fatores, como vencer prêmios expressivos no Festival de Veneza e no Globo de Ouro; a distribuição nos EUA feita pela Sony; a trajetória do diretor Walter Salles; e a campanha publicitária. “Assim, virou um fenômeno de bilheteria no Brasil e visibilidade nos EUA”, aponta.
Iberê Carvalho entende que o cinema nacional tem se destacado em importantes festivais de cinema pelo mundo, mesmo com um investimento menor, quando comparado com outros países.
“Isso só mostra o potencial e a qualidade de nosso cinema. A Coreia do Sul, por exemplo, iniciou em 1995 o projeto Onda Coreana, que visava expandir a influência do país internacionalmente. De lá para cá, o governo sul-coreano investe bilhões de dólares no audiovisual. E estão tendo resultado. Além de ganhar o Oscar em 2020, o conteúdo coreano já atinge 60% dos assinantes mundiais de streaming da Netflix. Não é por acaso que a plataforma acaba de anunciar novos investimentos de R$ 12,4 bilhões na Coreia do Sul. Isso seria perfeitamente possível de se realizar no Brasil”, explica.
Rosy May defende que a consolidação da presença brasileira no mercado internacional passa diretamente na participação de festivais internacionais, o estabelecimento de parcerias com produtoras de outros países, e a profissionalização o setor com investimentos e políticas de incentivo.
“As indicações de Ainda Estou Aqui ao Oscar representam um momento de celebração e reflexão para o cinema brasileiro. É uma oportunidade para reafirmarmos o valor das nossas narrativas, investirmos em políticas de incentivo à cultura e promovermos um ambiente onde a diversidade de vozes e histórias possa florescer. Que este marco inspire futuras gerações de cineastas e fortaleça ainda mais nossa presença no cenário cinematográfico mundial”, enfatiza.
Fonte: Metrópoles