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Umbanda vs. Candomblé: é tudo a mesma coisa? Pai Paulo explica as diferenças entre as religiões de matriz africana

Essas religiões compartilham um legado de resistência e conexão com as origens africanas, mas é essencial entender que não são o mesmo.

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Por Ana Raquel Barreto

Se alguém parasse você na rua perguntando quais são as diferenças entre Umbanda e Candomblé, valendo mil reais, você levaria o dinheiro para casa ou perderia a “aposta”? Apesar da confusão, essas religiões de matriz africana, que compartilham algumas raízes, possuem características próprias que se manifestam em sua história, práticas e fundamentos.

Essas diferenças refletem a riqueza cultural e espiritual de cada uma, como destacou Pai Paulo, Zelador do Terreiro Guerreiros de Oxóssi, em um programa especial do Vozes da Estação. Pai Paulo começou explicando sobre o Candomblé, religião afro-brasileira com raízes nas tradições africanas trazidas pelos povos escravizados ao Brasil. O foco principal do Candomblé é o culto aos orixás, entidades ligadas às forças da natureza e aos ancestrais. Os rituais são conduzidos em línguas africanas preservadas ao longo dos séculos, e os toques e danças possuem profundo significado religioso e cultural.

“Essa é uma história de domínio público: os escravizados precisaram colocar os orixás escondidos atrás das imagens católicas para continuarem com o culto. E parabéns para eles! Porque, se não fossem os nossos ancestrais terem essa coragem, de terem esse ‘feeling’ (‘sentimento’, traduzido livremente do inglês), de ‘olha, eu não posso deixar de cultuar, mas se eu cultuar meu orixá eles vão demonizar, então vou esconder atrás da imagem católica’…”, explicou Pai Paulo.

Em seguida, o líder espiritual falou sobre a Umbanda, também uma religião afro-brasileira, que surgiu no início do século XX, no Rio de Janeiro, misturando elementos africanos, católicos, espíritas e indígenas.

“A nossa Umbanda é traçada – termo guarda-chuva para vertentes que conservaram maior influência das raízes candomblecistas. Você vai ter a Umbanda sagrada, esotérica; são oito ou nove vertentes mais conhecidas no Brasil, fora tantas outras dependendo do estado onde esteja.”, detalhou Pai Paulo.

As cerimônias da Umbanda incluem o culto a guias espirituais, como caboclos e pretos-velhos, além de consultas espirituais baseadas na caridade. Sua musicalidade é marcada pelo uso de atabaques e cânticos em português, refletindo seu caráter sincrético.

Por que Exu é tão demonizado?

Entre as figuras mais incompreendidas nas religiões de matriz africana está Exu, frequentemente associado ao diabo no imaginário popular. Essa demonização tem raízes no racismo estrutural e na tentativa histórica de deslegitimar as religiões afro-brasileiras. Durante a colonização, missionários europeus interpretaram de forma equivocada as divindades africanas, associando Exu – o mensageiro dos orixás e guardião dos caminhos – a figuras malignas da tradição cristã.

Exu representa o movimento, a transformação e o equilíbrio, sendo a força que conecta o divino e o humano. Entretanto, durante a tradução da Bíblia cristã do idioma iorubá para o inglês, Exu foi substituído pelo termo “diabo”. “Quando alguns missionários chegam na África, Exu é uma divindade muito ovacionada na Nigéria, no antigo Benim. Então, eles veem um deus que é muito forte. E, para que eu diminua um deus, eu tenho que demonizá-lo, como tudo! Infelizmente, nós vivemos numa cultura em que o demônio, que não pertence à minha religião, é colocado nela de forma altamente pejorativa. A intenção é justamente apagar, tornar aquilo altamente negativo”, explicou Pai Paulo.

Infelizmente, tanto a Umbanda quanto o Candomblé enfrentam preconceito e intolerância no Brasil, reflexo de estigmas associados às práticas afro-brasileiras. Essas religiões compartilham um legado de resistência e conexão com as origens africanas, mas é essencial entender que não são o mesmo.

No dia 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, reforça-se a importância do respeito às diferenças. Promover a conscientização, reconhecer a distinção e valorizar entidades como Exu são passos fundamentais para desconstruir mitos e celebrar a pluralidade cultural e espiritual que essas religiões representam no Brasil.

Para conferir o episódio especial completo com Pai Paulo, Zelador do Terreiro Guerreiros de Oxóssi, clique aqui.